"A ESCOLA"
"Não há verdadeira educação que não seja poética"
Jacinto prado Celho
O relógio desperta-o de madrugada.
O espaço calmo das artérias da cidade
em breve será substituído
pelo movimento que cresce e se atropela
com o avançar da luz do dia.
Com as pálpebras, ainda pesadas da noite,
caminha e chega à escola.
Cumprimenta o porteiro inclinando a vénia dos bons dias;
sobe os degraus, pisa o corredor, abre a porta e entra na sala.
No canto, ao fundo, vê mesas que outrora tinham
diferente inclinação, e também colhe do tempo
o rectângulo plano e mais estreito da mesa,
onde assentava o rosto branco do tinteiro;
com um círculo negro e gasto da oblíqua pena
que repousava no intervalo das aulas.
Aprendera, em dedos suados e trémulos, a traçar
naquele corpinho de madeira as primeiras vogais.
Perscruta, em tenra idade, o coro quebrado
por mudança de ditongos ou reza de números.
De olhos entreabertos, como feixa de luz solitária
a polir velhos soalhos, associa à imagem de professor
a velhinha bata branca. Hoje e já de cabelos
prateados, passa horas cercado por ingénuos olhares
e curiosos sorrisos espantados.
Como fazer esquecer a lúdica tecnologia e a brincadeira
que, cada vez mais, se separa e esvazia das ruas?
Como colher os frutos da árvore do saber
e mantê-los vivos na memória?
Que voz deve seguir a preparar
com verdade e amor o futuro das crianças?
Não raras vezes leva no cansaço
a alegria da surpresa, que as crianças
em palavras trouxeram aos instantes da sala,
como se novas portas se abrissem a mais um nome -
que o sonho floresce e abraça em jardim de humanidade.
Por isso cultiva as palavras no coração
e ele e as crianças dão as mãos
para aprenderem juntos.
Chega o adeus, nunca o esquecimento
em preocupação e alegria;
porque em cada espaço de tempo
viveu tão profundamente,
como se as crianças fossem filhos seus...
Nelson Moniz, em "Diário de Bruma"
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